segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O que LULA não Viu , Rose Vê e Sabe demais - Jornal Besta Fubana

ELA SABE DEMAIS, E ELE CONTINUA SEM SABER DE NADA

Quando passou a faixa presidencial a Dilma Rousseff, em 2011. Luiz Inácio Lula da Silva apresentou à sua sucessora o nome de quatro pessoas que ele não gostaria de ver desamparadas: sua secretária pessoal, o chefe da equipe de segurança, o curador do acervo do Palácio do Planalto (esse a pedido da ex-primeira-dama Marisa Letícia) e Rosemary Nóvoa de Noronha. Dos quatro. Rosemary era, de longe, quem mais tinha intimidade com o ex-presidente. Ex-bancária e ex-secretária por ele alçada à chefia do gabinete da Presidência da República em São Paulo em 2003, Rose chamava seu benfeitor de “chefe”, mas volta e meia fazia questão de deixar escapar um “Luiz Inácio” diante de colegas e amigos. Nas 28 viagens internacionais que fez ao seu lado, como integrante da comitiva oficial, o acesso irrestrito ao superior incluía visitas à cabine privativa do Aerolula, de onde – conta um colaborador do governo – ela saía toda prosa. “O chefe agora vai descansar. Não quer ser incomodado.” Chamada de “madame” pelos muitos desafetos que colecionou ao longo dos dois mandatos de Lula. Rose sempre teve prazer em exibir seu status de protegida do presidente. Em algum momento, decidiu também ganhar dinheiro com ele.
Até onde mostraram as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, não chegou a fazer fortuna. Rose, 57 anos, foi indiciada na Operação Porto Seguro, que terminou com a prisão de seis pessoas. Entre elas, estão os irmãos Paulo e Rubens Vieira, diretores da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) respectivamente – já libertados. A julgar pelos e-mails e telefonemas interceptados pela PF, ambos chegaram ao cargo por influência de Rose, que pediu as nomeações diretamente a Lula. Ao contrário da ex-secretária – mas com a ajuda dela -, os irmãos não só fizeram fortuna como contribuíram para deixar mais ricos um número não conhecido de empresários trambiqueiros. Por encomenda deles, concluiu a PF, a dupla subornava funcionários públicos para que produzissem pareceres técnicos favoráveis aos seus “negócios”. O papel de Rose era facilitar o acesso dos Vieira a políticos e funcionários de interesse da quadrilha. Para isso, ela invocava frequentemente os nomes de Lula, o “PR” (jargão usado no funcionalismo para se referir ao presidente da República), e de José Dirceu, o “JD”.
Quando conheceu os dois, nos anos 90, Rose era uma morena de cabelos longos e contornos voluptuosos que, trabalhando como bancária, passou a frequentar o sindicato da categoria em São Paulo. Ex-colegas daquele tempo lembram que ela chegou a participar de plenárias e discussões partidárias, mas nunca se destacou como dirigente. Fazia mais sucesso nas festas que aconteciam nas quadras do sindicato, que ficava ao lado da sede nacional do PT, no centro da cidade. A afinidade entre a categoria e o partido contribuiu para que ela logo chamasse a atenção dos chefes petistas, como o então deputado José Dirceu, de quem se aproximou. Ele a contratou como secretária logo depois. Meses mais tarde, Rose começou a circular em torno de Lula, então candidato derrotado duas vezes em disputas à Presidência. A partir daí, embora oficialmente continuasse a trabalhar para Dirceu, passou a organizar a agenda de Lula e cuidar de suas contas. A proximidade entre os dois se aprofundou ao longo dos anos. Quando Lula chegou ao poder, criou um escritório para a Presidência da República em São Paulo, na esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta, e Rose foi imediatamente encaixada na lista de funcionários. Foi ela a responsável pela reforma do escritório e sua decoração, que inclui um grande mural do petista chutando uma bola com a camisa do Corinthians e, sobre os sofás, almofadas revestidas com reproduções de fotos do ex-presidente. Logo após a reforma. Rose foi promovida a chefe do escritório, com salário de 11.000 reais.
O gabinete da Presidência em São Paulo, decorado por Rose com um pôster de Lula e almofadas estampadas com fotos do ex-presidente
A partir daí, a ex-secretária ascendeu a um novo patamar. Nas viagens internacionais a que Marisa não ia (contam amigos que a ex-primeira-dama não lhe dirige a palavra e a ignora em eventos públicos), era Rose que acompanhava Lula. Embora tenha feito 28 viagens com o ex-presidente, seu nome apareceu no Diário Oficial – como é de praxe entre os funcionários de sua categoria DAS – apenas em uma das primeiras, para Havana em 2003. Foi a única da comitiva a se hospedar na mesma ala de Lula. Nas demais vezes, seu nome foi incluído em uma lista de funcionários de segundo escalão que é enviada ao Itamaraty para homologação coletiva – e anônima – no Diário Oficial.
Foi o auge do prestígio de Rose, e ela se esbaldou nele. “Imagine uma pessoa que passou a vida pendurada no cheque especial e, de repente, recebe uma herança de um tio. Essa é a Rose”, descreve um antigo amigo. Frequentemente, convidava-se para almoços com diretores do Banco do Brasil – o gabinete que ela chefiava ficava no mesmo prédio do banco. Nessas ocasiões, sempre sugeria restaurantes como o chique, e caro, Fasano. “Pedia camarão ou lagosta. E um vinho “caro”, como gostava de falar. Os almoços nunca saíam por menos de 500 reais”, diz um dirigente. Sabia usar informações que obtinha no escritório, onde também despachavam os ministros em viagem a São Paulo. Era comum vê-la servindo pessoalmente café e água nas reuniões com a presença de pessoas importantes. Também gostava de comentar sobre quem entrava e saía do prédio, movimentação que acompanhava de sua sala, equipada para monitorar o circuito interno de TV da segurança.
A sensação de poder foi fazendo com que ela, tida como geniosa, comprasse brigas com gente cada vez mais importante. No início do segundo mandato de Lula, Walfrido Mares Guia, então ministro das Relações Institucionais, comandou uma reunião com empresários no escritório de São Paulo. No final, pediu que a imprensa entrasse. Rose tentou impedir: “O chefe não gosta de jornalistas por aqui”. Walfrido estrilou: “O chefe hoje aqui sou eu. Podem entrar os jornalistas”. Os dois nunca mais se falaram. Outro com quem ela brigou foi o governador da Bahia, Jaques Wagner, que patrocinou a indicação de um técnico sem filiação ao PT para a diretoria do Banco do Brasil, quando Rose defendia um petista. Wagner levou a melhor. Meses depois, ao chegar ao escritório de São Paulo para uma reunião, ele foi interpelado por Rose: “Como você pode jogar contra o PT? Isso é uma traição ao partido”. Wagner colocou-a em seu lugar: “A senhora me respeite, eu sou um governador de estado”.
Rose continuou próxima de Lula depois que ele deixou o poder. É o que mostram conversas que ela teve com Paulo Vieira sobre a saúde do ex-presidente, que se recuperava do tratamento de câncer na laringe. ” É, eu já falei para ele. Ele tem de parar de se expor em público enquanto aquela perna dele não ficar boa (…) Ele levou um tombo domingo dentro de casa (…) Não sei o que aquela Clara Ant fica fazendo, aquele Paulo Okamotto. que deixam o cara… Ele tá parecendo um velho caquético.” Clara Ant põe ordem nas atividades profissionais de Lula e Okamotto é seu braço financeiro. Ambos se dedicam em tempo integral a Lula.
A queda de Rose começou a se desenhar em fevereiro do ano passado, quando Cyonil da Cunha Borges de Faria, à época analista do Tribunal de Contas da União, procurou a PF e o Ministério Publico Federal para dizer que havia recebido de Paulo Vieira uma oferta de 300.000 reais para alterar um parecer em benefício de uma empresa de Santos. A juíza Adriana Zanetti determinou a quebra dos sigilos de telefone e de e-mails de Paulo e seu irmão – e foi aí que Rose acabou flagrada. Embora não tenha tido o telefone nem a correspondência interceptados, o registro das conversas que manteve com os Vieira nos últimos anos mostrou que usava o cargo de chefe da Presidência em São Paulo para cuidar com desvelo de assuntos de seu próprio interesse. Em troca dos “favores” que prestava à quadrilha dos Vieira, a ex- secretária fazia toda sorte de exigência: ingressos para camarotes no Carnaval, cruzeiros no litoral paulista, pagamento de uma cirurgia no ouvido e de parcelas de um apartamento financiado.
A miudeza dos pedidos sugere que Rosemary Noronha era uma “petequeira”, como são chamados os corruptos que operam na arraia-miúda. A protegida de Lula no, entanto, mexia com interesses graúdos. Além de indicar ocupantes para cargos de direção em agências reguladoras de cujas decisões dependem negócios bilionários, ela intermediava financiamentos em bancos públicos e facilitava reuniões de empresários com petistas de quatro estrelas para tratar de contratos vultosos no governo. É o caso de um encontro que marcou com Ricardo Flores, então diretor de crédito do Banco do Brasil, para que representantes de uma empresa com atuação no setor portuário pudessem pedir a ampliação do valor de um crédito junto à instituição. A empresa já possuía uma linha de crédito de 85 milhões de reais e pretendia obter mais 48 milhões. Em outra oportunidade, ainda no governo Lula, ela agendou com um alto dirigente da Secretaria de Comunicação da Presidência da República um encontro para que empresários pudessem propor a locação, para o governo, de placas de publicidade nos portos de Santos e do Rio de Janeiro. As portas que Rose conseguia abrir graças à intimidade com Lula também serviram para arrumar negócios para sua própria família. A empresa New Talent que a própria Rose ajudou a criar e que foi registrada no nome do genro dela, conseguiu sem licitação um contrato de 1,2 milhão de reais para “prestação de serviços” a uma subsidiária do Banco do Brasil.
Os Vieira tinham consciência da importância de Rose para os negócios, mas, como em toda quadrilha, tentavam reduzir o naco dela na partilha. “Não fale muitas informações sobre os processos da Bahia com a Rose, pois temos que abafar a “pedição” de dinheiro, pois a amiga é uma máquina de gastar”, escreveu Paulo para Rubens ainda em 2009.
Mesmo quando recebeu a visita da PF em sua casa, na sexta-feira da semana retrasada. Rose manteve a empáfia. Aos policiais, disse: “Vou ligar para o chefe de vocês”. Telefonou para o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que estava com o celular desligado. Procurou, então, José Dirceu, que disse nada poder fazer para ajudá-la. Lula estava num voo, vindo da Índia. Até agora, o padrinho de duas décadas de Rosemary Noronha, indiciada pela PF por corrupção passiva, tráfico de influência e falsidade ideológica, não veio a público comentar o episódio. Pelo contrário, em discurso feito na semana passada, pareceu desdenhar dele ao dizer que a imprensa “só dá más notícias e esconde as boas”.
Embora o desbaratamento de uma quadrilha que usava de suas prerrogativas públicas para auferir vantagens não possa ser considerado uma má notícia é compreensível que a revelação do episódio desagrade a Lula. Ao contrário do que ocorre em outros países, no Brasil, a vida privada dos políticos nunca foi considerada assunto de interesse público. A forma como o ex-presidente distribui o seu afeto, portanto, é uma questão que só diz respeito a ele e seus familiares. A partir do momento, porém, que as conseqüências dessas escolhas transbordam para a esfera pública, ele não tem outra opção a não ser se explicar, talvez a única modalidade de comunicação na qual Lula não seja um mestre.
* * *
O último a saber da operação
A presidente Dilma Rousseff soube da Operação Porto Seguro pouco depois das 8 da manhã de sexta-feira por um telefonema de Luís Inácio Adams, advogado-geral da União. Adams havia sido acordado momentos antes por seu número 2, José Weber Holanda, um dos investigados. Dilma pediu para localizar o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, mas ele não atendia aos telefonemas. Já irritada, a presidente só conseguiu falar com o ministro duas horas depois, quando soube que ele não tinha conhecimento de nada.
A operação pegou Cardozo e o chefe da Polícia Federal, Leandro Daiello, de surpresa Já que foi feita pela superintendência da Polícia Federal de São Paulo, sem comunicação a Brasília. Três dias depois, Cardozo não conseguia dizer à chefe com segurança se havia ou não escutas telefônicas envolvendo Rosemary e o ex-presidente Lula, como chegou a ser noticiado. Só na manhã de terça-feira o ministro confirmou que não houve quebra de sigilo nas comunicações de Rose. Dilma fez duras criticas à atuação do ministro. Chegou a pensar em demiti-lo – desistiu por temer passar a imagem de que não aceita que a PF investigue seu governo.
Por mais incômoda que possa ter sido para Lula e para setores do governo, a operação foi conduzida dentro das normas da PF. Uma mudança na estrutura da autarquia feita na gestão de Tarso Genro (2007-2010) descentralizou as grandes operações. As superintendências regionais ganharam competência para promover ações sem avisar Brasília. Sob Márcio Thomaz Bastos (2003- 2007), os trabalhos eram centralizados. O então diretor do órgão, Paulo Lacerda, tinha um responsável pela inteligência e um pela atuação. As ações deviam ser autorizadas por um dos dois e sempre saíam de Brasília – o governo era avisado na véspera. De início, a descentralização foi considerada positiva. Mas ela veio acompanhada de uma restrição orçamentária que praticamente engessou a PF No governo, a Operação Porto Seguro foi interpretada como um “recado” da PF paulista, que não gosta do gaúcho Daiello (considerado um interventor e criticado pela rigidez com que comandou a superintendência paulista entre 2008 e 2010) nem de Cardozo (que deixou a segurança da Olimpíada e da Copa para as Forças Armadas). Questionado por emissários do governo, o superintendente da PF em São Paulo, Roberto Troncon, negou que a operação tenha tido motivação política.

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