domingo, 23 de dezembro de 2012

ENXUGANDOGELO - José de Oliveira Ramos


O QUE EU QUERO GANHAR DE PRESENTE NESTE NATAL

Hoje já não existem mais aqueles tamancos de madeira. Não aquele de estilo, formato e cultura holandesa. O nosso tamanco. O tamanco brasileiro.
A gente usava o tamanco para andar léguas e léguas, suportando a areia quente  que a seca nos impunha. Era difícil encontrar alguém, naquele longínquo lugar, que não tivesse os calcanhares rachados. A parte traseira dos tamancos, embora fosse a mais alta, era a que acabava primeiro, atingindo os calcanhares do calçante. Isso, quando não rachava no meio, no sentido longitudinal.
Pois, dia 24 de dezembro, como não havia sapatos, sandálias franciscanas, o que se colocava debaixo da rede (cama, era sonho muito distante!) para servir e esperar o Papai Noel, eram os tamancos. Os tamancos tinham que ser lavados. Bem lavados. Quase perfumados, pois Papai Noel numa casa daquelas, se não tinha chaminé para descer, não seria justo encontrar tamancos sujos, fedidos, suados do suor natural que escorre pelas canelas.
Muitas vezes sequer esperávamos o galo cantar e já estávamos despertos desembrulhando os pacotes, as caixas de presentes. Durante muitos anos, não tínhamos menina entre nós. Foi o sexto filho do casal – a menina.
Na época não entendi bem. Enquanto os olhos dos meus irmãos brilhavam com os sapatos novos, os relógios, as roupas e outros brinquedos e utensílios, eu ganhei dois presentes que protegi por muitos anos: um serrote, com uma serra tico-tico; e um livro de um escritor baiano (era o que eu sabia dele, naquele momento) de nome Jorge Amado de Faria. Depois descobri que o mesmo era de Itabuna.
O livro: “Capitães de areia”. Escrito em 1937. Isso aconteceu no Natal de 1955, quando eu tinha apenas 12 anos e não conseguia reconhecer a utilidade do presente. O serrote e a serra tico-tico foram imediatamente mais úteis. Eu fazia os meus próprios carrinhos e outros brinquedos. O livro, muitos conhecem o livro. Muitos conhecem os personagens e as semelhanças colocadas na lupa que aproximam a ficção e a realidade.
Pois, neste Natal, neste do ano de 2012 – que muitos garantiram que acabariam no último dia 21 – eu, se já não tenho mais quem me presenteie com “Capitães de areia” nem com um serrote e uma serra tico-tico, quero ganhar, não de Papai Noel, mas de presente de Natal:
 
Quero um Brasil com mais Joaquins e menos Lulas
- Um país diferente, pelo qual já lutei tanto com minhas possibilidades ao limite delas próprias, que seja permeado de Joaquins Barbosas. Joaquins sem medo; Joaquins corretos, retos, honestos e dispostos a mostrar que o desespero não deve tomar conta de nós.
 
Quero que a vida renasça, como as plantas 
Um país digno, onde o feijão nasça em cada horta, em cada quintal, em cada vazante e onde tenhamos conhecimento e convicção e que o alimento “só vem da terra” e que, assim, ela seja respeitada, para ter o direito de exercer a incumbência de fazer brotar em nós a esperança de poder acabar definitivamente com a fome entre os animais – humanos ou não.
 
Quero condições de trabalho e vida dignas e semelhantes para todos
- Um país honesto, onde os letrados professores não idiotizem nem valorizem o “ambiente de trabalho”, exigindo “melhores condições” quando, na realidade, só pensam em salários e esquecem que, noutros lugares, professores ou não, não têm sequer o direito de escolher a forma de trabalhar.
 
Quero que as crianças ganhem condições e o direito de serem crianças 
- Eu quero que coloquem nos meus tamancos um pacote de igualdades para as crianças de olhos azuis, verdes, castanhos e tez branca ou preta, uma pitadinha de oportunidades para brincar e até se for o caso, oportunidades para, como eu, construir os próprios brinquedos e lhes conceda a oportunidade e o direito sagrado de serem crianças, antes de serem utilizados pelo mundo capitalista da droga.
 
Quero que a natureza tenha o direito sagrado da procriação
- Eu quero ganhar não um Citroén, um Hyundai, tampouco uma mansão paradisíaca nas Bahamas. Já me satisfaz a compreensão e o senso de igualdade entre os seres que, por serem animais, não estão inclusos de constituições, e que por isso lhes seja garantido o direito de, pelo menos, procriar. Como as tartarugas, como as aves, como os peixes.
Quero o direito de ver o horizonte a cada amanhecer 
- Finalmente, eu quero que coloquem nos meus tamancos, como presente de Natal, o direito de acordar a cada novo dia, sentindo que estamos vivendo num mundo melhor

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